Boas notícias, pra variar

1 julho 2008

No ano passado, postei alguns textos sobre o caso dos dois boxeadores cubanos que conseguiram escapar durante os Jogos Panamericanos, e depois foram perseguidos pela polícia brasileira, que os entregou de volta aos seus carcereiros.

Guillermo Rigondeaux e Erislandy Lara, os dois campeões cubanos, foram levados de volta à ilha-prisão, e mantidos sob vigilância estreita dos homens de Fidel. Mas agora nos chega uma notícia excelente: Erislandy Lara conseguiu fugir de Havana, escondido em um barco que o levou até o México. Dessa vez, não veio para o Brasil, ou algum outro país amigo de ditaduras. Lara foi direto para Hamburgo, na Alemanha, e apenas lá, já em segurança, divulgou sua história.

O jornal Estado de São Paulo publica uma entrevista com Lara. Muitos trechos são interessantes, mas a resposta do pugilista a uma pergunta em particular é um uppercut no queixo de muita gente. Uma resposta singela, simples, mas que diz muito sobre o que é Cuba, sobre o inferno em que vive o povo cubano. E nos enche de vergonha por saber que não apenas o governo brasileiro é aliado dessa gente, como também uma boa parte do nosso povo apóia o que acontece na ilha e considera Cuba um “paraíso” e Fidel Castro “um exemplo”.

Como você avalia a situação política de Cuba e a falta da democracia plena?”
“Democracia? Como assim?”

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Lula, o venezuelano

8 janeiro 2008

Augusto de Franco, na Folha de São Paulo de hoje:

Se nosso IDH fosse mais próximo de 0,9 (em vez de 0,8), Lula jamais governaria o Brasil. Quem garante seus votos e liderança é a pobreza. É por isso que Lula não ganha eleição para prefeito de São Bernardo. É por isso que não ganha para governador de São Paulo nem de qualquer Estado do Sul (talvez com exceção do Paraná, que só é governado pelo chavista Requião por concentrar a maior pobreza da região).

São os bolsões de pobreza que garantem a eleição de populistas. Lula quer acabar com a pobreza? Não, o que quer é mantê-la, transformando as populações pobres em beneficiárias passivas e permanentes dos programas assistenciais. Ele gosta, sim, do povo, mas como massa informe de pré-cidadãos Estado-dependentes.

Façam uma análise dos levantamentos existentes, resultantes da aplicação de vários indicadores de desenvolvimento. A votação de Lula aumenta nos lugares em que esses indicadores (inclusive o IDH) diminuem. Isso não pode ser por acaso, pode? Só acontece porque Lula é um “venezuelano”. Em Caracas, nosso presidente viveria feliz como pinto no lixo.

(…)

A noção de democracia de Lula casa perfeitamente com o regime político venezuelano. Lá, não vigora mais essa besteira de rotatividade (ou alternância) democrática. Autorizado, como Chávez, por uma “lei habilitante” (muito melhor do que medida provisória), Lula poderia criar, numa penada, não uma, mas meia dúzia de TVs governamentais. Poderia tirar a Globo do ar e empastelar a revista “Veja”.

E, sobretudo, poderia continuar no poder indefinidamente, convocando plebiscitos e referendos para dizer que não está fazendo nada mais do que obedecer à vontade da maioria.

Lula, o “venezuelano”, acha que democracia é o regime da maioria (e não o das múltiplas minorias).

O texto completo pode ser lido aqui, para assinantes Folha/Uol, ou aqui.


Por que não se calam

20 novembro 2007

A essa altura, creio que todos já conhecem o caso. O “por que no te callas?” do rei Juan Carlos de Espanha, dirigido ao ditador venezuelano Hugo Chávez, caiu na boca de todos e rodou o mundo. Já ganhou versões rock, funk, ringtone de celular, etc, etc.

Há duas maneiras de se ver esse fato. A primeira é o efeito “lavou a alma”. Juan Carlos fez aquilo que todos os democratas anseiam por fazer. Alguns não fazem por medo, outros por amarras diplomáticas, mas a verdade é que o Rei deu voz a todos aqueles que são obrigados a aguentar as fanfarronadas do coronel. Por um momento, todos fomos espanhóis. Por um momento, todos tivemos vontade de que o Brasil tivesse um governante capaz de, com uma resposta dessas, colocar o ditador no seu lugar.

Mas o episódio traz também um contexto mais profundo. Na verdade, o que aconteceu ali foi um choque entre duas visões de mundo. Um choque muito representativo da guerra que travamos hoje em dia. Em raras vezes isso ficou tão claro. No encontro de Juan Carlos de Bourbon e Hugo Chávez, vimos os dois lados do confronto. E já passou da hora de cada um de nós começar a escolher de que lado está.

Se alguém ainda não viu a cena, o vídeo está aqui:

Para quem não acompanhou desde o início, vamos fazer uma recapitulação do que aconteceu naquela hora, o que levou o Rei a ter aquela reação. Durante a reunião da Cúpula Ibero-Americana, no Chile, o caudilho venezuelano resolveu aprontar mais uma das suas bravatas. Aproveitando a presença da delegação espanhola, Chavez fez um duro discurso contra a Espanha e principalmente contra o ex-primeiro-ministro espanhol, José Maria Aznar. Entre outras coisas, chamou Aznar de “fascista”, criticou a Espanha por algumas medidas comerciais e acusou o governo espanhol de “apoiar o golpe de 2002 em Caracas”.

O atual primeiro-ministro da Espanha, José Luis Zapatero, respondeu a Chavez. Ou melhor, tentou responder. Chavez não o deixava falar, interrompia a cada segundo. E Juan Carlos fechava cada vez mais a cara. Até a hora em que o Rei não aguentou, virou para o bufão venezuelano, e disparou o agora famoso “por que no te callas?!”.

Porque eu digo que isso é muito representativo de duas visões de mundo diferentes?

1) Hugo Chávez não se incomoda nem um pouco com a “moral burguesa e hipócrita”. Fala o que quer, na hora que quer. Finge não enxergar as diferenças entre o seu castelo e uma cúpula internacional. O que ele pretende é fazer com que o mundo seja uma extensão do seu quintal. Acostumado a ser obedecido, acostumado a que todos escutem calados e concordem com ele, Chavez acha que pode fazer o mesmo em qualquer lugar. E por isso não vê nada demais em chegar a uma reunião diplomática e ofender um ex-governante de outro país.

2) Zapatero, acostumado a jogar de acordo com as regras, pede a palavra e parte para uma resposta diplomática. “Pode-se estar de lados opostos em posições ideológicas, e não serei eu a estar perto das idéias de Aznar, mas eu fui eleito pelos espanhóis e exijo respeito”. Embora, da mesma maneira, não seja eu a estar perto das idéias de Zapatero na maioria das coisas, não me incomodo de dizer que ele deu uma aula ao venezuelano. A vontade dele podia ser responder “ô gorilão, fascista é tu madre!”. Seria uma resposta mais ao nível de Hugo Chávez. Mas não é a resposta adequada para uma cúpula diplomática. E Zapatero fez o que devia ter feito. Em democracia, há alternância. E uma ofensa a Aznar, por mais que ele seja seu rival, é uma ofensa à Espanha. Ontem, Aznar era a Espanha. Amanhã, outro será. Mas hoje, Zapatero é a Espanha. E é seu dever defender o país de um ataque gratuito como esse.

3) Melhor seria dizer que Zapatero tentou fazer o certo. Apenas tentou, porque Chavez não deixa. A cada vez que Zapatero abre a boca, ele interrompe. Zapatero pediu a palavra para falar. Chavez corta, sem pedir autorização a ninguém. Repito, não é apenas falta de educação. É uma questão de caráter, de ideologia. Seguir as regras? Mas as regras são feitas por burgueses, para burgueses. O povo não deve se sujeitar a elas. Zapatero, democraticamente, suspende a fala a cada aparte de Chavez, e depois retoma do mesmo ponto. E Chavez insiste. Ele não ouve. Ele não sabe o que é oposição. Ele não entende o conceito de “alternância”. A idéia dele sair de cena enquanto alguém fala, alguém que diz que ele está errado, é algo absurdo na sua visão de mundo.

4) E é quando o Rei Juan Carlos, poder moderador, se manifesta. “Por que no te callas?” É uma declaração de limites. Um “basta”. Um copo cheio d’água, que se revolta com o que está vendo. E é uma linguagem que Chavez entende. Ele fica visivelmente constrangido por alguns segundos. Depois, claro, parte para o contra-ataque. Mas, por um momento, ele sentiu o golpe. A dignidade de Juan Carlos atingiu o homem que está acostumado a enfrentar a força bruta dos seus iguais ou a tolerância democrática e cordial dos seus opostos. Ele não conhece essa dignidade ultrajada e franca.

Chavez representa a maior ameaça ao mundo em que vivemos. Não Chavez, pessoa física, claro. Mas aquilo que ele personifica. É o neo-totalitarismo que se alastra pela América Latina, é o terrorismo que ataca ao redor do mundo, é aquele outro tipo de terrorismo que corrói a Europa por dentro. São as pessoas que gritam, que querem que ouçam a sua voz, que se escoram nos seus “direitos” e no discurso pobrista. Fomos humilhados durante anos, agora queremos o que temos direito, e ninguém pode ser contra. Não respeitam a alternância, não respeitam a divergência. Acham que estão cumprindo um “destino divino” e não toleram qualquer oposição, qualquer idéia de limite.

Por outro lado, Zapatero é a reação ocidental-democrática a tudo isso. Jogar de acordo com as regras. Fazer o que é certo. Democracia, tolerância, respeito. O senhor diz que Aznar é fascista? Eu vou responder, claro, mas aceita um chazinho enquanto isso? Ah, o senhor quer me interromper e gritar mais alto? Eu sou muito nobre para essas coisas, quando o senhor parar de falar eu prossigo.

(Claro que eu acho que, num mundo ideal, Zapatero está mais que certo. E por isso o aplaudo, acho que ele deu uma aula a Chavez. Mas isso serve para quem percebe isso tudo. Para o público-alvo de Chávez, acreditem, a idéia que passa é a de que o venezuelano “tem peito”, “encarou os ricos” e “defende o seu povo”.)

E Juan Carlos? O seu “por que no te callas” significa o soco na mesa. Aquela hora em que, para defender a liberdade, é preciso abdicar dos punhos de renda e das fórmulas educadas, e falar a verdade, nua e crua. A coragem de fazer o necessário, mesmo que não seja o mais “bonitinho”. Não é “gritar mais alto”, porque se for por esse caminho, Chavez sabe jogar melhor. Mas também não é ser menino de coro, usando palavras bonitas para se falar com bandidos, e dando a impressão de que somos todos iguais, é apenas uma divergência ideológica que nos separa. O que Juan Carlos mostrou é essa mistura de autoridade, firmeza e dignidade que se exije em certos momentos críticos. “Por que no te callas?”

Claro que Chavez não se calou. Pelo contrário, no dia seguinte, respondeu com um novo discurso anti-espanhol, tentando capitalizar a história a seu favor, dizendo que é típico dos países imperialistas quererem que o povo se cale, etc, etc, etc. jogou pra sua galera. Mas, por um momento, a fábula se inverteu. Foi o Rei a mostrar ao povo que o bobo estava nu.

E com isso, Juan Carlos animou todos aqueles que, ao redor do mundo, resistem contra ditadores ou candidatos a.

Por que no te callas, Chavez? Por que no te callas, Evo? Por que no te callas, Lula? Eles não se calam porque são iguais. Eles não se calam porque não concebem a idéia de que outras vozes possam se fazer ouvir. Eles não podem se calar, porque têm certeza de que “nunca antes nestes países” houve alguém como eles, e nunca mais haverá. Eles não se calam porque têm medo de que outros falem e façam o povo perceber a sua nudez.


Welcome to Congo

17 outubro 2007

“O Congo está nos ensinando como construir uma democracia cada vez mais forte e na paz.”
(Luís LI, o Rei-Nu, em tournée pelas democracias à africana)

Cada um aprende as lições de acordo com a sua capacidade de aprender, não é mesmo?

Vamos ver o que o Congo tem a ensinar a Lula sobre democracia.

O atual presidente congolês, o senhor Denis Sassou-Nguesso, chegou ao poder em 1979, depois de um golpe de Estado. Dominou o país com mão de ferro durante 13 anos, até ser derrubado, em 1992. A partir de então, Monsieur Sassou-Nguesso buscou o apoio de seus amigos angolanos do MPLA para retomar o comando do Congo. Depois de uma sangrenta guerra civil, conseguiu voltar ao trono em 1997. Está lá até hoje.

Eleições? Sim, houve uma, em 2002, vencida por Sassou-Nguesso com 100% dos votos, já que, dos seus três adversários, dois foram cassados e um desistiu da candidatura na véspera do pleito, ouvindo o “apelo” do presidente.

É esse o homem que Luís LI considera ter muito a lhe ensinar em termos de democracia. Logo, pela lógica, concluímos que, ao menos para o Noço Guia (de turismo) o ditador Sassou-Nguesso é mais democrata que ele, o suficiente para lhe dar “aulas”.

Na véspera, Lula tinha estado na Burkina Faso, onde discursou (não riam, por favor, que a coisa é séria) sobre a “revigoração da democracia na África”. E falou isso ao lado de um outro professor, o presidente burkinês-fasano (?) Blaise Camporé.

O que Camporé ensinaria a Lula sobre democracia? Bem, Camporé era um capitão do exército de Burkina, que deu um golpe em 1987, assassinou o presidente Thomas Sankara, e assumiu o poder. Aprovou uma nova Constituição, que permitia reeleição perpétua, e venceu as eleições seguintes, em 1991, 1998 e 2005. Está, portanto, completando 20 anos de governo democrático e popular, e se preparando para o quinto mandato, “Camporé de novo nos braços do povo”.

Camporé ensina mais a Luís LI: ensina a ele novas maneiras de utilizar a novilíngua orwelliana. O ditador burquinense convidou o seu colega brasileiro para a “comemoração” dos 20 anos do seu governo popular e democrático. O AeroLula foi recebido por grupos de jovens com bandeiras do Brasil, e faixas exaltando os “20 anos de democracia e progresso” da Burkina Faso, sob a liderança do herói Blaise Camporé. Para marcar a efeméride, Camporé organizou um colóquio com o tema “Democracia e Desenvolvimento na África”, onde Lula foi o convidado de honra. A banda militar burquinesa tocou Chico Buarque, em homenagem ao ilustre visitante.

No discurso, além de exaltar a democracia burquinesa, Luís LI não deixou por menos:

 

“Se ao invés de pão a gente comprar canhão, ao invés de arroz comprar fuzis, e se ao invés de abraçar um companheiro atirar nele, certamente o país nunca irá se desenvolver.”

Ao seu lado, o companheiro Camporé, que pra tomar o poder pegou um fuzil e atirou no presidente Sankara, ao nivés de abraça-lo como a um irmão, sorriu amarelo.

Luís LI, realmente, deve ter se sentido em casa na Burkina Faso. Afinal, um país de 13 milhões de habitantes e 10 milhões de analfabetos, onde um tirano se eterniza no poder “nos braços do povo” é mesmo um paraíso…

Acho que podemos imaginar que tipo de “lições democráticas” Noço Guia (de turismo) traz de volta para casa, não? E para aqueles que quiserem me chamar de “cão raivoso da direita reacionária elitista e leitor da Veja”, talvez seja interessante ouvirem as palavras de vosso guru, o sargento Marco Aurélio “top top, fuc fuc” Garcia:

“O governo brasileiro considera Burkina Faso uma democracia. Seu presidente tem se subordinado a eleições livres, fiscalizadas internacionalmente.”

É bom sabermos o que MAG, a eminência parda do PT e do Foro de S. Paulo, entende por “democracia” e “eleições livres”. Assim, quando ele usar esses conceitos por aqui, podemos lembrar de lhe perguntar: “o PT defende democracia como a de Burkina Faso, e eleições livres como as que elegeram Camporé, Mr. MAG?”.

Enquanto isso, na Sala da Injustiça…

O TSE decidiu que os mandatos dos parlamentares pertencem aos partidos, e que o troca-troca de políticos, geralmente atrás de vantagens oferecidas pelo governo, pode ser punido com a perda do mandato.

Vai daí, vão ao Congresso Nacional entrevistar um cidadão chamado Luiz Sérgio, deputado federal pelo PT (argh) do RJ (argh, argh), que dispara a sua fórmula para “curar” o problema provocado pelo TSE.

“Isso mostra que está mais que na hora de fazermos uma reforma política, ampla.”

Tudo é desculpa para o PT querer interferir nas decisões do Judiciário – quer dizer, naquelas que os desagradam. E tudo é pretexto para trazer à baila a idéia da “reforma”, da “Constituinte”, ou coisa que o valha.

Fica a pergunta: deputado Luiz Sérgio, uma reforma política ampla nos mesmos moldes daquela proposta pelo democrata governo da Burkina Faso?